Need For Speed
Na época as vassouras eram muito menos descartáveis, pelo que o respectivo pau, em madeira claro, era a peça do jogo mais difícil de obter. Valia que cada um deles dava para três ou quatro eixos, de cerca de 35 cm cada, pressagiando desde logo uma animada corrida. Recorrendo aos nossos inseparáveis canivetes, gastos da apanha da lapa e imprescindíveis para o corte da seda após o empate de anzóis na pesca do caboz, desbastávamos a parte central do eixo, em todo o seu diâmetro, e numa extensão de cerca de 4 cm. Este seria o local de engate da tracção do dispositivo, zona mais frágil e delicada de todo o artefacto. Em cada um dos topos desse eixo enfiávamos uma bóia de cortiça, daquelas cilíndricas, com um buraco no meio, dos tempos em que a casca do sobreiro abundava nas artes da pesca. Curiosamente o engate era perfeito, o buraco na bóia feito para passar o cabo da rede era da dimensão correcta para um ajuste perfeito no eixo de pau de vassoura, sem mais afinações. Terminado o carrinho seguia-se a parte da apoio da tracção. Isso obrigava a uma incursão às “caneiras” das fazendas da Papoa para escolher a melhor cana, haste principal de todo o sistema. No topo mais grosso esculpia-se um duplo bico em lados opostos, de modo a apoiar e deixar rodar o engaste feito no meio do eixo. Pelo topo da cana enfiava-se uma terceira bóia de cortiça que, caso a cana tivesse sido bem dimensionada no corte, deveria travar sensivelmente a meio da altura, ao nível das mãos, para que a sua rotação servisse de volante ao veículo e determinasse a direcção a tomar. Com a tracção e a direcção terminadas, passava-se à fase do tunning, com uma inúmera multiplicidade de opções. Desde logo o revestimento das rodas em cortiça. Os mais usados eram caricas pregadas que faziam ao rodar um som metálico característico, tão do agrado dos aceleras da modalidade. Mas também as faixas de oleado, pregadas por um dos lados, eram muito usadas, dando um ritmado “tchelak, tchelak”, muito apreciado em cada rotação. Mas era na bóia da direcção, a meio da cana, verdadeiro tablier do veículo, que se definia por excelência toda a personalidade, arrojo e criatividade do condutor. Normalmente ninguém dispensava um arame espetado em cuja ponta, depois de muito aquecida, se cravava uma variedade de objectos em plástico, que iam desde um simples berlinde, até à infinda panóplia dos bonecos dos gelados. Havia quem lhe atasse uma lanterna para as saídas nocturnas, e claro não faltavam os emblemas dos clubes, nas mais variadas formas e materiais. Outros adicionavam bóias extras, multiplicando as possibilidades, quer no volante, quer acresentando rodados.
Prontas as máquinas, e depois duma breve rodagem pelas redondezas, lá nos lançávamos nas mais aguerridas corridas, onde não eram raros os acidentes, as avarias, as reparações e substituições urgentes.
Prontas as máquinas, e depois duma breve rodagem pelas redondezas, lá nos lançávamos nas mais aguerridas corridas, onde não eram raros os acidentes, as avarias, as reparações e substituições urgentes.
Quem de fora nos observasse ao nível da rua, e se deparasse com aquele agitado mar de bóias em movimento, até poderia pensar que estávamos a brincar em rede.....
Apesar de ser de uma geração já muito dedicada a jogos....também eu fazia carrinhos de bóias...os miúdos agora é que já não fazem....nem nunca mais vi miúdo nenhum a brincar com pião...ou berlindes....a minha geração deve ter sido a ultima...
O estranho é que eu ainda sou bastante novo...o tempo passa num instante...ainda há uns(alguns) anos estava toda a tarde com brincadeiras dessas ali p'rás zonas do bairro da caixa...e agora......'tou velho.
Excelente, JP. Muito obrigada.
Excelente JP, grande viagem no tempo. Falo disso muitas vezes aos meus filhos. Um dos meus sobrinhos mais velhos ainda herdou o ultimo exemplar que havia guardado religiosamente no telheiro do quintal. É que aquele exemplar tinha sido feito com boias de cortiça novinhas "achadas" no armazém da Sereia da Noite. Já agora lanço também o repto dos carrinhos de rolamentos, das enormes corridas que começavam na escola do filtro e acabavam no portão de Peniche de Cima. Hoje impossivel, os carros são tantos. Nessa altura também faziamos o jogo das matriculas com os carros que iam passando. Hoje perdiamos o conto a tantos que por ali passam. Enfim. Sinais dos tempos.
Abraço
Excelente descrição, homem você fez-me recuar no tempo, e estes comentários também estão acertados, aquelas corridas de carrinhos de caixas de peixe com rodas de rolamentos desde o filtro até cá abaixo, hehe...
também se jogava ao "mata" e á "barra" e á "mosca" na Praia de Peniche de Cima...
FGV