Tenho uns amigos (por acaso não tenho, estou a inventar, mas acho que esta história ficaria melhor assim, com algum grau de proximidade) que são o mais conservador que pode existir, na acepção mais lata do termo. De direita, mais do que isso, saudosos da ditadura e de todo o estilo de vida associado às “gentes de posses” naquele regime. Famílias numerosas e casamentos até que a morte os separe. Católicos fervorosos, com o pároco a ficar para jantar, e presença assídua em missas e romarias à Cova de Iria. Benfiquistas dos sete costados, como devem ser os bons chefes de família.
Infelizmente ou felizmente, o filho tresmalhou. Desde logo aderiu à extrema esquerda de quem é empenhado activista. É ateu, e prega contra qualquer tipo de religião e igreja. Abusa do álcool, das drogas leves e já experimentou as vertentes mais pesadas. É homossexual assumido e troca de parceiro todas as semanas. No futebol torce pelo Sporting.
Ninguém consegue ser mais condescendente que os pais. Por isso os meus amigos, não sem alguma mágoa, lamentam-se: “É um bom menino, até que se sabe comportar, pena é aquela tara pelo Sporting!”
Vem isto a propósito da fidelidade clubista, espécie de ligação transcendental que hoje supera qualquer outro tipo de paixão, ligação ou afinidade.
É por isso que todos os anos eu mudo de clube.
Sigo, com alguma distanciadora indiferença, as primeiras jornadas, e algures antes do fim do ano, zás, escolho o emblema por quem vou torcer o resto da temporada. Tal escolha obedece a alguns critérios. Não pode ser nenhum dos grandes, já suficientemente pejados de adeptos, e de preferência deve ter algum potencial para se imiscuir entre eles.
Foi assim que torci e levei o Boavista a ganhar o campeonato, uns anos atrás.
Este ano estou indeciso entre o Braga e a Naval.
Não tenho de decidir já, mas confesso que não vejo a hora de, quando inquirido com a sacramental pergunta, poder responder com a desarmante sentença:
“-Este ano sou da Naval .”
N.B. A caracterização do filho tresmalhado foi apresentada como potencialmente condenável, apenas na perspectiva dos respectivos pais, excepto claro, no facto de ser adepto fixo de um dos grandes.